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Leia aqui a homenagem da Fundação António Quadros a António Telmo.



segunda-feira, 12 de março de 2012

MANIFESTO PARA OS DIAS QUE CORREM


Agora
que a soberbia e o fanatismo andam de mãos dadas na Casa de Portugal;
que o individualismo egótico se compraz no afã do proselitismo;
que quem se serve dos epigramas não hesita sequer em recorrer a núncios;
que os mestres, logo que partem, se vêem forçados a seguir, submissos, os discípulos conjecturais;
que a pretensão da gravidade hierática encobre o rigor de um clericalismo extreme;
que a estreita baia do método parece servir de corpete ao livre assomo do espírito;
que a incómoda evidência dos textos clássicos é negada até à amputação;
que se chega ao ponto de se julgar moralmente os supostos irmãos espirituais;
que se confunde a plasticidade amorável do universalismo português com a abjuração do rijo cerne da hombridade;
que um estranho modismo exótico, contrário à herança gloriosa e romântica das pátrias, aparece alçado a cânone do pensamento português;
é preciso lembrar que o fundador da filosofia portuguesa, como Álvaro Ribeiro escreveu, foi Sampaio Bruno, que a si mesmo, n’A Ideia de Deus, obra-prima da maturidade, se definia como um “jacobino”, ali onde nos lembra que as ideias, ao invés dos sentimentos, não mudam.
Falemos então de ideias, de uma tradição de pensamento sempre dedicada ao outro, que é o povo, e maiormente a nação, esse substrato da pátria portuguesa.
Falemos de uma escola – a da Renascença Portuguesa – cujos mentores (Pascoaes, Leonardo, Cortesão, Pessoa) fundaram as Universidades Populares, se opuseram ao Estado Novo, defenderam os pedreiros livres e a democracia, sofreram a prisão, partiram para o exílio, tudo em nome do povo e daquela liberdade que algum dia o há-de poder libertar.
Falemos, pois, de uma escola em permanente compromisso com a vida, facho que os continuadores, Álvaro Ribeiro e Agostinho da Silva, tão bem souberam transportar.
Falemos de António Telmo, propugnando a humildade e a atenção ao outro na sua autobiografia espiritual, esse escrito derradeiro – note-se, derradeiro – em que tão pouco entusiasmo revela perante os caminhos habituais.

Falemos de agora em nome do futuro.

Luís Paixão
Pedro Martins

6 comentários:

  1. Em tempo primaveril, a minha saudosa avó usava frequentemente a expressão «no rebentar da folha». As palavras do «Manifesto para os dias que correm», que jubilosamente saúdo, seiva de rejuvenescer ou renascer, podem ser entendidas como a manifestação cíclica da Natureza – neste caso natureza de uma pátria – e que também apela a um renascer ou Renascença Portuguesa, porque há sempre morte cíclica (que não aniquilamento total) para haver renascer cíclico. E Portugal tem morrido muitas vezes no cumprimento das palavras de Cristo a Nicodemos sobre a necessidade de (re)nascer de novo para alcançar o Reino de Deus.

    «…daquela liberdade que um dia o há-de [Povo] libertar», palavras do vosso manifesto. Ora a desejada Renascença Portuguesa tem tido (com excepção dos «sacerdotes do Quinto Império» do verso pessoano) o lugar ocupado pela indesejada mentira portuguesa. Assim, só a verdade renascente pode devolver ao Povo a verdadeira liberdade. Só assim a esperança será também acção.

    Eduardo Aroso

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  2. A maior riqueza de António Telmo reside no facto de, nos seus escritos, ter tocado as três religiões do livro, consultar o I Ching (pagão), e ter sido influenciado pelos três primeiros livros de Carlos Castanheda (que aprendeu com os Indios), influência pagã, também. Assim como Dalila P. da Costa, uma cristã que se interessava por xamanismo e que escreveu páginas sobre reencarnação. Reduzi-los a isto ou àquilo é perder parte do seu pensamento. Cada qual é livre de seguir o caminho que bem entender, no entanto, as obras continuam vivas e acessíveis, indicando vias. São como potências de liberdade. Peço desculpa mas desta posição não saio porque a herança dos escritos é uma evidência não é uma mera opinião. Todo o conflito que se possa ter com estas obras é um reflexo de um conflito interior. A escolha é sempre individual. Os mestres limitam-se a sorrir perante as nossas dúvidas, porque também passaram por elas. E, no fim, são um produto de todo o caminho e não apenas de parte dele. Daí a ironia disto tudo e também o sofrimento disto tudo. Este Manifesto lembra o acto essencial que é a liberdade de escolher. E mesmo que não escolhamos logo, mais tarde ou mais cedo, a mesma proposta de escolha há-de aparecer-nos no caminho. Somos livres de escolher mas não estamos livres da escolha, no entanto, esse acto de liberdade não apaga a memória das propostas de escolha até porque, quem sabe um dia, essas mesmas propostas de escolha não nos aparecerão pela frente para de novo nos atormentar o juizo. E ainda bem.

    Cynthia

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  3. Parménides escreveu há cerca de 2500 anos «Pouco importa por onde comece, porque terei de aqui voltar».

    Eduardo Aroso

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  4. ALGUÉM me perguntou em Estremoz: «O Mário Rui leu o Manifesto do blogue dos Cadernos de Filosofia Extravagante?» «Não, respondi, mas irei lê-lo».
    Meu Deus!... Que arroubo marcial, que paixão!: «Soberbia e fanatismo; individualismo egótico; epigramas e núncios; discípulos conjecturais; clericalismo extreme; baia do método; amputação; estranho modismo exótico alçado a cânone do pensamento português, etc.» Um só alvo em particular? Mas se só escapam os «jacobinos», os «pedreiros-livres» e os «democratas»! Logo, por exclusão de partes, também eu sou alvo do vernáculo, atingido, no mínimo pelo último dardo, o do «modismo exótico». Não está, porém, o exótico enxertado na nossa terra-mátria, no nosso Povo, no nosso sangue e na nossa alma? Arrábida, Azóia, Meco, Fátima...? Quem não tem sangue semita, judeu ou, ou e, árabe, a correr-lhe nas veias? Não são os Luzíadas, o «Cântico da Pátria», a própria expressão desse «exótico»? Revelou-se Adamastor no Mar da Palha? Foi Dinamene cortesã do Bairro Alto? Manifestou-se a Ilha dos Amores no Cais da Ribeira?
    E a «Ideia de Deus» «obra-prima da maturidade» de Bruno, se «as ideias não mudam», não terá de ser a mesma da sua «imaturidade»? E o tão acentuado escrito de António Telmo, o tal derradeiro, será o da sua «maturidade»? Ou seja, a maturidade do pensamento de António Telmo só terá sido alcançada na sua obra derradeira, póstuma? Não tem ela título? Não é ele A AVENTURA MAÇÓNICA? António Telmo alheio ao significado da palavra?
    Falemos em nome do FUTURO. Sim! Mas de um futuro de «convivência» e respeito pelas individualidades, não de cisão, exclusão e exclusividade. Não edifiquemos sobre o CÍRCULO uma baia, onde António Telmo decerto não estará, seja ela qual for, erigida por RELIGIÃO ou ORGANIZAÇÃO INICIÁTICA. As «tradições» são portas abertas para o Divino, o Sublime, a Liberdade. A nós fechá-las ou deixá-las abertas.
    A «ideia de Deus» de Bruno sempre será a «ideia de Deus» de Bruno, assim como a de Álvaro será a de Álvaro. As «ideias» possíveis de Deus são tão diversas quanto os seres. São inesgotáveis. A Liberdade está para ALÉM do condicionado.

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  5. Muitas são as semelhanças com o outro manifesto e, com algumas das suas intensões. Até na "quase" alusão a outra obra do mesmo autor “Manifesto às Gerações futuristas”, com que encerra esta manifestação.
    Em verdade, tudo contribuiu para imprimir uma imagem negativa de Dantas. E, em minha opinião, A obra de Dantas é de grande valor.

    Revejo-me no texto que a Cynthia aqui deixou e, relembro algo que miríades de vezes o bom Amigo António Carlos Carvalho refere: “É importante unir na Terra, para mais tarde se unir no Céu…”.
    O nosso bom Amigo António Telmo era um Homem Completo. Não o reduzamos apenas a um ângulo de observação.
    Deus nos permita sentar à mesma mesa e partilhar o pão e o vinho.

    Helder Cortes

    Post scriptum: Não gosto do manifesto anti-Dantas. Mas, teremos de admitir que até ao Almada, que grande obra nos deixou, foram possíveis coisas menores.

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