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Leia aqui a homenagem da Fundação António Quadros a António Telmo.



domingo, 10 de janeiro de 2010

O CAMINHO DO CAMINHO, 12

Cynthia Guimarães Taveira



O Banquete
O telefone tocou a meio da refeição. António Telmo atendeu. Era um amigo. “Onde estás?”, adivinhava-se a pergunta do outro lado. António Telmo respondeu: “Estou num Banquete”. E estava.

No Caminho do Caminho acontecia-lhe, por vezes, a amplificação do mundo. Como a poesia o é. E naquela mesa, acontecia, de facto uma banquete. Uma mesa comprida, cabendo nela todo o Portugal. Nela, situada no centro de Vila Viçosa (como nome poético de Portugal), havia um centro dentro e fora dela, porque o sonho estava assim, suspenso em tempos negros de crise. Foi no dia 9, três dias depois do Dia dos Reis, três voltas dadas no tempo. Duas crianças, que ainda não percebiam porque se reuniam aqueles homens e mulheres, mas ainda a tempo de uma memória, também lá estavam para completar as gerações várias. E de tudo havia ali um pouco, nobrezas antigas já esquecidas, filósofos incapazes de se dissociarem da paixão, arquitectos de olhos vivos, olhando, suspensos como o sonho, a chave da abóbada, artistas alimentando as cores, funcionários públicos que serviam uma causa maior, mecenas, curiosos sem saberem porquê, matriarcas vigilantes e pais com o dom da oratória.

As iguarias sucediam-se, queijos derretidos com orégãos, ovos com espargos, chouriços, paios, maioneses suaves, pão alentejano, passas dentro dele, bacalhau em torre, migas perfumadas e frutas em espetada.

E Portugal ali estava nas conversas cruzadas. Por essa mesa passava o Camões cujo mistério parecia crescer com a passagem do tempo, e Pessoa, e o Padre António Vieira, o Brasil. Álvaro Ribeiro também por lá passou, assim como o Agostinho da Silva, Leonardo, José Marinho e António Quadros, e a Dalila percorrendo como uma fada o seu jardim interior. O vinho escorria, e a mesa cresceu, os sons amplificaram-se. Todos conseguiam ouvir as conversas de todos e captar-lhes o sentido. Por ali passaram tapetes de Aladino a voar no requinte islâmico, ao mesmo tempo que passava um católico convicto, em passo firme, direito e atento. E passaram judeus com palavras cabalísticas a decifrar, muitos hereges, cristãos que se lembravam apenas das palavras de Cristo e que tinham contornado as igrejas por duvidarem delas, e sinas pagãs nas palmas das mãos e astrologias persas, e o Espírito Santo também lá estava, escondido no fundo do olhar de todos eles. O V Império apareceu sobe a forma de um V saltitando pela mesa fora.
E falou-se de paisagens e monumentos, e da abóbada celeste das capelas imperfeitas que deixaram os corações loucos de saudades do céu.

E, assim como entraram, saíram, e foram andando até à estranha serpente crucificada, feita de pedra, que os esperava. Olharam-na e descobriram-lhe umas asas. E souberam que era Portugal que estava ali, serpente alada crucificada. Pronta a renascer, a qualquer momento, em qualquer mesa, em qualquer lugar do mundo. Portugal era apenas um sonho que acontecia subitamente, tão simplesmente como o sopro do Espírito Santo e tão rico como um banquete.

3 comentários:

  1. aliás Rodrigo Sobral Cunha:

    É como diz, Cynthia, de verdade, que eu também reparei e vi isso mesmo nos seus olhos contentes de Menina. Esteve lá tudo, até o que esteve sem estar. E fizeram falta, sem faltar, outros Amigos, que também por lá estavam apesar de não terem ido e ainda outros (bem os vi, como V.) à janela e à flor do fogo e assim nos grãos das romãs (que a Fati e o João nos ofereceram, tirados dos seus corações) doces como mãos de donzelas e postos em sedas como a areia do fundo de rio. Importa assim perceber bem quem percebe, distinguindo de quem não (estes que são os que têm a verdade na mão, mas não provam o tal grão). Foi o que a Cynthia fez.

    RC

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  2. Obrigada, Rodrigo. Agora mais do que nunca é necessário que nos entreguemos à obra. Se não fôr para isso para que serve todo este sonho inacabado?`Há um tempo para ouvir e fazer silêncio. Há outro para ouvir, fazer silêncio e agir. Pêndulos, compensações, renascimentos, e verdades que se desocultam.

    Um beijinho da Cynthia

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  3. aliás, João e Fati:

    Bem haja, excelso amigo, Rodrigo Cunha, pelo suave e generoso comentário do seu coração.

    João e Fati

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