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segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

A PONTA DO VÉU, 3

Segredo. Eis, seguramente, a tónica d’A Noz, um escrito da autoria de António Carlos Carvalho. Foi um dos primeiros textos que nos chegaram com destino aos Cadernos. E, de entre os que integram a nova publicação da Serra d’Ossa, será o primeiro a que iremos levantar a ponta do véu, através de um excerto. Por ele se evidenciam as marcas, profundíssimas, que a influência da tradição hebraica deixou na cultura portuguesa.

António Carlos Carvalho nasceu em Lisboa em 1947. Licenciou-se em Ciências Religiosas, com uma tese sobre O Espírito Santo no Pensamento e Obras dos Padres da Igreja. Foi profissional de jornalismo entre 1968 e 2004 (A Capital, Diário de Notícias) e autor de programas de rádio na Rádio Comercial e na RDP (Antena 2). Colaborou em diversos programas e séries da RTP, tendo sido consultor (livros e autores) do programa Acontece (RTP2), desde a sua primeira emissão, em 1994, até à última, em 2003.
Dirigiu a colecção «Janus» da editorial Vega (de 1976 a 1978), prefaciando todos os volumes. É autor de diversos livros, entre os quais destacaremos Para a História da Maçonaria em Portugal, 1913-35 (Vega, 1976), O Triângulo Místico Português (Liber, 1980), Os Judeus do Desterro de Portugal (Quetzal, 1999), Prisioneiros da Esperança – Dois Mil Anos de Messias e Messianismos (Âncora, 2000) e Vieira e os Judeus (Contexto, 2001). Actualmente é tradutor.

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A NOZ

Eles partiram, quase todos, desterrados da terra que era a sua. Quando falavam de si mesmos, diziam «os senhores do desterro de Portugal». Eram os judeus portugueses, isto é, aqueles portugueses que eram diferentes.
Partiram, na sua maioria, impelidos pelo ódio, pela calúnia, pela inaceitação do que é diferente de nós, pela sua incapacidade de continuarem a viver numa terra que consideravam pátria sua mas onde denúncia e perseguição se transformaram em modo de vida ou de sobrevivência para outros.
Partiram mas deixaram marcas. Marcas tão profundas que se tornaram invisíveis, secretas, segredos. Deixaram-nos o segredo. O gosto e a necessidade do segredo. É um paradoxo. O segredo ama-se, cultiva-se, alimenta-se, porque afinal «é do segredo que tudo depende», «o mundo só pode subsistir pelo segredo» -- lê-se numa passagem do «Zohar», o «Livro do Esplendor» (Zohar III, 145 a), esse imenso tratado de hermenêutica judaica que perscruta os segredos da tradição secreta de Israel.
Ou como dizia um kabbalista peninsular do séc. XIV, Joseph de Hamadan, «cada palavra da Torah, sem excepção, é um segredo dissimulado e profundo». Falava da Torah no texto original, hebraico, evidentemente, não das traduções, que nos enganam com a sua linearidade, a ilusão de que está tudo contido no sentido literal passado para as outras línguas. Ora na leitura do texto da Torah tudo é mistério... mesmo o sentido literal. Os exegetas judeus, tal como os cristãos, medievais sabiam que o texto sagrado tinha três ou quatro níveis de interpretação: Pshat (simples ou literal), Remez (metáforas, alegorias e parábolas), Drash (analítico) e Sod (secreto), cujas iniciais formam o acrónimo Pardes, jardim, vergel, paraíso.

(...)

António Carlos Carvalho

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