I – Um estranho esquecimento
por Pedro Martins
Leia aqui a homenagem da Fundação António Quadros a António Telmo.
UM GALO A ASCLÉPIO
Conforme narra seu discípulo Platão, antes de morrer Sócrates entrou num banho para se purificar. Recebeu, depois, seus filhos e as mulheres da sua parentela, a quem deu os últimos conselhos.
Ainda proferiu um louvor a um servo que lhe veio anunciar o fim, após o que disse: «Tragam o veneno ou o preparem», sem se importar de ainda não serem as horas prescritas e do sol não se ter já escondido para lá das últimas montanhas. Assim pensava: “O que chegou ao seu termo não adianta adiar”.
Um outro servo lhe depositou o copo de cicuta em sua mão. Presume-se que tenha endereçado uma última prece aos deuses, após o que levou o copo aos lábios e o esvaziou de um só trago. Ante o choro dos companheiros, nessa hora funesta da partida, num último assomo de coragem lhes pediu para que dominassem as emoções.
O efeito do veneno cedo se fez sentir, começando por anestesiar os pés e subindo daí pelo corpo acima. Estava deitado e com a face coberta. Mas antes que o último sopro de vida se ausentasse do seu coração, descobriu-a e disse estas derradeiras e imemoriais palavras:
«Ó Críton, nós devemos um galo a Asclépio.
Satisfaz esta dívida e não te descuides!».
Significava, com elas, que se curava da doença da vida e tal como o galo é o arauto da aurora, assim ele entrava pelos portões da vida que não fenece, saudando o sol da imortalidade.
Avelino de SousaHá uma alteração ao programa do simpósio inaugural, que, como os restantes, é promovido pelos Cadernos de Filosofia Extravagante. Assim, e diversamente do que fora anunciado, será Isabel Xavier, e não Pedro Sinde, a apresentar o teorema relativo à poesia. No mais, tudo se mantém igual: António Telmo apresentará o teorema relativo ao romance; e Elísio Gala fará o mesmo quanto ao teorema relativo à antropologia.
REPENSAR O PROBLEMA DA FILOSOFIA PORTUGUESA
(Álvaro Ribeiro, José Marinho e o Padre Manuel Antunes)
O título escolhido para encabeçar esta reflexão decorre de uma constatação e de uma associação. Começando por esta última, quais os elementos explícitos ou implícitos desta associação? Explícitos são os títulos da obra de ensaios “de reflexão e de prospecção” denominada Repensar Portugal da autoria do Padre Manuel Antunes e da obra de “natureza programática e didáctica” de Álvaro Ribeiro intitulada O Problema da Filosofia Portuguesa. Implícitos, são os artigos do Padre Manuel Antunes «Haverá Filosofias Nacionais?», «Da situação da Filosofia», «Filosofia da Cultura: sua necessidade»; de Álvaro Ribeiro «A Filosofia Portuguesa não é como a de outros povos na Europa moderna e obriga-nos a difíceis e demoradas investigações históricas», «O problema da Filosofia Portuguesa perdeu já a actualidade»; e de José Marinho «Filosofia Portuguesa e Universalidade da Filosofia». Eis o horizonte de textos e reflexões que nos suscitaram o título.
A constatação que inspirou a titular deste modo esta reflexão foi a repetida insistência por alguns publicistas e literatos, de uma frase do Padre Manuel Antunes que responde, segundo eles, de modo conclusivo ao problema da existência ou não de filosofias nacionais. A resposta resume-se na seguinte frase retirada do artigo «Haverá Filosofias Nacionais?»: “se é nacional não é filosofia e se é filosofia não é nacional.” O alvo das suas críticas é sempre Álvaro Ribeiro, tão pouco lido e meditado quão injustamente tratado. Ora, quanto a nós, o problema formulado pelo Padre Manuel Antunes tem mais o carácter de uma interrogação, do que o de uma pergunta. Para as perguntas há respostas, o que já não sucede com as interrogações. Embalados e adormecidos na resposta esquecemo-nos da interrogação. O pensado é substituído pelo achado. “Acho” que não há filosofia portuguesa, eis o que exprimem as afirmações de tais publicistas e literatos, que em boa verdade há muito deixaram, ou mesmo nunca pararam, para “pensar” se há filosofia portuguesa. Quanto a nós, o Padre Manuel Antunes manteve viva a interrogação, como se pode depreender pelo título e conteúdo da obra Repensar Portugal. Eis o que pretendemos demonstrar.
(...)
Elísio Gala
A NOZ
(...)
António Carlos Carvalho
TESE A poesia essencial é o lirismo.
Corolário:
Valorização de todas as formas culturais da subjectividade sem reflexão.
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ANTÍTESE A poesia essencial é a didáctica.
Corolário:
Poemas edificantes de doutrinas políticas, morais e religiosas.
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SÍNTESE A poesia essencial é o drama e a epopeia.
Corolário:
Primado da poesia que ascende a uma concepção do mundo e do homem.
Bruno. “Les milieux culturels de la ville de Porto préparent la célébration du premier centenaire de la naissance du philosophe José Pereira de Sampaio, qui aura lieu le 30 novembre 1957. Déjà dans la presse périodique on voit divers articles sur l’écrivain que signa ses livre du pseudonyme de Bruno, d’où la liaison Sampaio-Bruno. L’auteur de A Ideia de Deus (L’Idée de Dieu) appartient à la tendance caractéristique de la philosophie portugaise, c’est-à-dire, qu’il fut un libre penseur religieux, aussi éloigné du positivisme agnostique que du catholicisme orthodoxe, donc mis en dehors de l’enseignement des institutions publiques. Ni le Municipe de Porto, ni l’Université de Porto, ni l’État portugais n’ont encore prononcé une parole officielle d’hommage à celui qu’on appelle déjà le fondateur de la philosophie portugaise.
L’œuvre de Sampaio-Bruno mérite bien l’attention des étudiants français. Le philosophe a été émigré politique à Paris, et ses livres sont pleins d’aperçus sur la culture française. Sectateur des doctrines de Martinez de Pasquallys, de Claude de Saint-Martin et peut-être disciple de Joséphin Peladan, Sampaio-Bruno a réussi dans son originale conciliation de la libre pensée scientifique avec la profonde philosophie religieuse”.
Álvaro Ribeiro
(texto integral de “Portugal”, in Dispersos e Inéditos, II, INCM, 2004)
TESE O romance é a expressão da natureza decaída.
Corolário:
Obediência à regra de Stendahl de que o romance é um espelho que se transporta ao longo de um caminho.
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ANTÍTESE O romance é a expressão da sociedade.
Corolário:
Subordinação da literatura às doutrinas religiosas, políticas e morais.
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SÍNTESE O romance é a expressão do sobrenatural.
Corolário:
A literatura é um meio de conhecimento e de iniciação. Alargamento à literatura da regra teatral de Aristóteles: a arte é a imitação da Natureza; o conceito aristotélico de natureza é o que na filosofia portuguesa corresponde ao sobrenatural.
Livre-Pensador. "Livre-pensador é o homem capaz de pensar livremente os valores - o bom, o belo e o vero - e mais ainda aquilo que os unifica e afinal garante. O problema do infinito incita o livre-pensador a meditar heroicamente a difícil temática religiosa. Nisso está o mérito; nisso está a dificuldade; nisso está o perigo; porque o livre-pensador, ao contrário do positivista, avança por um domínio delimitado pelos escolásticos, mas acelera a evolução espiritual da Humanidade."
Álvaro Ribeiro
(in "Sampaio Bruno e a Verdade Oculta", Dispersos e Inéditos, II, INCM, 2004)
Teoremas do 57. Ao longo de 2009, os Cadernos de Filosofia Extravagante promovem em Montemor-O-Novo, na Livraria Fonte de Letras (sita na Rua das Flores, 10/12, junto à Câmara Municipal), um ciclo de quatro simpósios dedicados à apresentação e ao debate dos 12 Teoremas do «57», originalmente publicados em Dezembro de 1957, num número duplo (3-4) daquele órgão do Movimento de Cultura Portuguesa.
A ordem de apresentação e de ordenação dos teoremas é a seguinte:
I Simpósio – Antropologia / Poesia / Romance
II Simpósio – Filosofia da História / Universidade / Pátria
III Simpósio – Teatro / Artes Plásticas / Arquitectura
IV Simpósio – Indivíduo / Liberdade / Propriedade
Cada interlocutor convidado apresentará durante dez minutos um teorema.
Finda a apresentação iniciar-se-á o debate alargado a todos os convivas do simpósio.
A anteceder a realização de cada um dos simpósios, os teoremas respectivos serão publicados no blogue dos Cadernos.
António Cândido Franco, escritor laureado e professor doutorado pela Universidade de Évora, durante a comemoração dos 150 anos de filosofia portuguesa, organizada e animada por Pedro Martins na Biblioteca Municipal de Sesimbra, declarou que esta, a filosofia portuguesa, se tornou objecto “de uma indiferença quase generalizada”, que “vive um descrédito largo, com juízos críticos em geral negativos e movimentos declarados de antipatia”. E exemplifica com o desprezo também generalizado de que são vítimas os dois principais mentores da filosofia portuguesa: “ninguém conhece Álvaro Ribeiro, ninguém lê uma linha de José Marinho”.
Perante tal sentença, e vinda de quem vem e de onde vem, pôs-se-nos o problema, a nós, os promotores dos 150 anos de filosofia portuguesa, de como não deixar morrer um movimento que julgávamos impor-se por si próprio, tal a sua duração e o valor dos que o mantiveram no decurso de século e meio. Nós os poucos que ainda a amamos começámos a pensar naquilo que deveríamos fazer para que não se extinguisse a chama que durante tantos anos ardeu sem queimar a sarça da indiferença geral. Decidimos então mudar-lhe o nome a essa nossa filosofia. Raciocinámos assim:
Há os capitalistas da literatura e há os pobres da literatura. Aqueles têm prémios que se dão uns aos outros, são propagandeados na televisão, vendem os seus livros aos milhares, aos milhões, têm todos os editores do mundo ao dispor e, mais importante do que isso tudo, são lidos e amados.
Os segundos não têm tudo o que têm os primeiros. São os pobres. Durante 150 anos falaram, falaram, escreveram, escreveram. Hoje ninguém os ouve, ninguém os lê. Desinteresse geral, indiferença, antipatia.
Imaginámos então vários substitutos da palavra portuguesa, porque vimos que nela e não na palavra filosofia é que estava o que devemos esconder e preservar. Ocorreram-nos expressões tais como: Cadernos de uma pobre filosofia; cadernos de uma filosofia esquecida; cadernos de uma filosofia extravagante.
(clique sobre o nome dos autores para saber mais)
Alexandre Teixeira Mendes: Poética (e configurações) marrana(s)
António Carlos Carvalho: A noz
António Telmo: A identidade religiosa de Luís de Camões; Carta a Pedro Martins
Avelino de Sousa: Neve (sonho); Um galo a Asclépio; Livre interpretação do mito de Teseu e o Minotauro
Cynthia Guimarães Taveira: Coincidências
Elísio Gala: Repensar o problema da filosofia portuguesa
Isabel Xavier: Dois poemas
Luís Paixão: Os templos do pensamento português
Maria do Resgate Almadanim: Carta ao professor
Paulo Júlio Guerreiro dos Santos: Páginas de autobiografia espiritual
Pedro Martins: Uma heresia de Pascoaes
Pedro Paquim Ribeiro, sob o pseudónimo de Fuas Paquim: Para o preâmbulo de um estauto senatorial
Pedro Sinde: Harmonia abraâmica: o triplo anel ou a herança de Portugal
Rodrigo Sobral Cunha: Sê, para que tudo seja (o som abstracto)
O desenho da capa é da autoria de Carlos Aurélio.
O interior dos Cadernos tem ilustrações de Cynthia Guimarães Taveira e fotografia de Tiago Sobral Cunha.
Os Cadernos estão à venda nos seguintes locais:
CALDAS DA RAINHA
Livraria 107
LISBOA
Associação Agostinho da Silva; Galeria Matos Ferreira
MONTEMOR-O-NOVO
Livraria Fonte de Letras
PORTO
Clube Literário do Porto
SETÚBAL
Prima Folia; Livraria Culsete; Livraria Universo
O p.v.p. é de 10 euros.
Pedidos para: serradossa@aeiou.pt