O erro nativista
Aqueles que adoptam o conceito de nação como base jurídica das estruturas políticas centralistas – assim se enuncia, como se acabou de ver, a antítese do teorema do 57 – degradam o nacionalismo em nativismo. Deste modo, exaltam a circunstância de se haver nascido num determinado território, de se pertencer a uma certa nação. Claro está que essa exaltação não surge ex nihilo: estriba-se numa realidade sentimental; traduz o orgulho nativo num passado glorioso, reconhecível em certas formas de realização da Pátria.
Exemplo histórico evidente de um movimento cultural nativista vem a ser o chamado integralismo lusitano, que pretendia levar a cabo uma restauração monárquica de tipo miguelista, em óbvio contraponto à Renascença Portuguesa, de militância republicana e liberal.
Mas os mentores do 57, ao visarem as estruturas políticas centralistas próprias do nativismo – cujo corolário vem a ser o burocratismo das instituições, da cultura e do ensino –, pretendem sobretudo atingir a situação política vigente à época – o regime autoritário do Estado Novo, a ditadura salazarista. Cientes do perigo, fazem-no com prudência, de modo dissimulado. Mas o emprego de expressões como resistência do hábito ou cómoda posição de reaccionários não consente dúvidas. Pois não foi Salazar quem procurou levar a nação portuguesa a viver habitualmente, de acordo com a ordem estabelecida, calmamente, sem sobressaltos?
O propósito do ditador resulta congruente com a doutrina nativista, formalista e passadista que tende a reduzir a Pátria à contemplação extática das formas cristalizadas em que outrora se manifestou. A Pátria é o domínio do facto ou do feito histórico (daí brotando a vocação panegírica do regime), do movimento perfeito num tempo imobilizado. Perfeição, bom será lembrá-lo, quer dizer morte. Por isso, a Pátria não é uma razão viva, como pretende o autor do Manifesto; é uma razão morta, que se adora num ataúde, em celebrações diuturnas a que Roma irá emprestar a predicação zelosa dos seus oficiantes. O nativismo é mortificação e, o que é mais, necrofilia.
Antecedentes: 1. Pátria, nação e mátria
(continua)
Há que repensar a relação politicamente inter-significante de conceitos como: império, estado, pátria, nação e povo. O puro nativismo estático tem formulações jurídicas contemporaneamente diversas. É preferível o iuris solis ao iuris sanguinis, porque mais inclusivo. De qualquer modo, se um goês reivindicasse (e há um famoso caso durante o Estado Novo, que muito incomodou Salazar...), hoje, a nacionalidade portuguesa, penso que seria de a conceder.
ResponderEliminarA maior perversidade do nacionalismo é a de querer reduzir a nação à ideia mítica de povo-raça. Entendo Portugal como um lugar de chegada, uma «terra prometida», onde todo o homem se pode tornar um português, desde que o seu amor e fidelidade a esta pátria sejam inequívocos.
«Em Roma sê Romano», e este é um preceito de cidadania e de defesa de um modelo de sociedade civil; a que deuses se reza, ou a nenhum, o que se veste, ou se come, etc, é irrelevante. O que já não é irrelevante é a defesa de um qualquer outro modelo que ponha em causa a sociedade civil, como «coisa pública», e a queira devassar por fanatismos religiosos, morais (nenhuma é universal), ou quaisquer outros.
Abraço lusitano!
Lord of Erewhon