«Evangelho – Para onde caminhas tu?
Talmude – Para Veneza, e daí para a Turquia.
Evangelho – Para a Turquia? De que nação és?
Talmude – Hebreu, povo escolhido de Deus.»
Para muitos portugueses, judeus, nessa época, e nas seguintes, era esse o destino natural do seu exílio forçado. Por várias razões. Porque viver sob domínio islâmico, ainda que com o estatuto de tolerados e com as restrições inerentes (imposto especial, limites na construção de sinagogas e de casas e no vestuário, proibição de montar a cavalo), era uma experiência que eles conheciam dos tempos da chamada «Idade de Ouro» islâmica na Península; porque preferiam passar por algumas dessas humilhações do que sofrer as perseguições e o medo dos inquisidores; porque a sua situação era, em muitos aspectos, semelhante à que tinham experimentado nos reinos cristãos até ao século XV; e porque sabiam que a sua presença em território turco convinha também ao sultão, que se aproveitava dos conhecimentos científicos, técnicos e económicos desses portugueses, assim como dos seus contactos comerciais e da rede de ligações que eles tinham com os países europeus. Sobretudo, agradava-lhes poderem praticar a sua religião sem ser em segredo e regerem-se pelas suas leis próprias em matéria religiosa ou em questões de matrimónios e de sucessão.
Em 1553, o viajante alemão Dernschwam encontrou em Constantinopla 42 sinagogas e cerca de 15 mil judeus (sem contar com as mulheres e crianças), na sua maioria de origem peninsular.
Se estendermos o nosso olhar ao imenso Império Otomano, temos o caso especial de Salónica, onde ainda havia judeus de origem portuguesa nos anos 40 do século XX (e daí partiram para campos de concentração, onde foram exterminados – mas ninguém fala disso). No século XVI havia aí as congregações «Lisboa» e «Évora», a cidade era um centro cultural que rivalizava com Constantinopla e Safed, e o português e o espanhol eram as línguas correntes. Por lá passou Diogo Pires (Salomon Molkho) e lá viveu e morreu Amatus Lusitanus (João Rodrigues de Castelo Branco).
Só mais um pormenor: há poucos anos, o cônsul de Portugal em Istambul era um senhor de apelido... Abravanel, certamente da mesma família de Isaac e Judah Abravanel.
A História de Portugal é também feita de muitos exílios e exilados que nunca perderam a saudade da pátria perdida. Como esse outro Diogo Pires, poeta de Évora (assinava Didacus Pyrrhus Lusitanus ou Iacobus Flavius Eborensis), do século XVI, que morreu exilado em Ragusa (actual Dubrovnik) e que escrevia: «(...) Então eu devo suportar um exílio longo e cruel? E de regresso nenhuma esperança me resta? (...) Mas bem longe, e separada por enorme extensão de terra, fica Évora; oh! terra conhecida da minha infância! Salve, terra, memória do meu nascimento! Salve, terra que meus olhos não mais verão! (...) Acaso porque celebro os solenes ritos e as cerimónias sagradas dos meus antepassados é que vagueio exilado da minha pátria? (...) Aqui gostaria eu que mão amiga enterrasse em paz os meus ossos, não tocados do ferro nem das negras brasas. E que não seja trabalhosa a construção do meu túmulo, mas tenha, no cimo do mármore, um pequeno poema: “Aqui jaz Diogo, longe da cidade de Évora e de sua casa. Não lhe foi permitido guardar os membros em solo pátrio. Mas tu, que recolhes ao porto, ou levantas amarras da praia, diz, ó marinheiro, para sempre um adeus!”»
Sem comentários:
Enviar um comentário