Por sugestão de Paulo Santos recordemos:
O engano neste ponto essencial teve o seu início, no Ocidente, na oposição que o Renascimento, sobretudo italiano, criou entre Platão e Aristóteles, com a intenção mais ou menos velada de atacar a Igreja Católica que adoptara o segundo como filósofo de apoio à sua dogmática teológica; e os ocultistas românticos do[s] século[s] XVIII e XIX chegaram ao extremo de afirmar que o discípulo grego representa perante o mestre grego a oposição ao ocultismo. Em termos menos secretos tal oposição surge constantemente na filosofia livresca e cultural marcando toda a diferença entre misticismo e racionalismo. José Marinho escreve longas páginas no intuito de desfazer o engano […] o racional e o irracional são limites moventes, cuja profunda relação se dá onde quer que o espírito se assume como verdadeiro pensamento.
A oposição que se diz existir expressa nos textos de Aristóteles não é entre os dois filósofos, mas entre platónicos e aristotélicos. Decorreu a cisão […] sem inspiração hermética […] sem assumir a qualidade de hermenêutica […] [como dizia Marinho:] «Hoje se tornou de novo possível, pela adequada hermenêutica dos textos, vermos filósofos […] pensarem o mesmo de diversos modos.» A teologia católica, fazendo da teologia de Aristóteles sua serva, ditou a separação, quando os seus adversários recorreram a Platão para, contrapondo-o ao discípulo, proporem formas de actividade espiritual onde o conhecimento pela fé e pela imaginação dispensa o dogma e se assume como filosofia. Aqui convém distinguir imaginação de fantasia e, sobretudo, lembrar a distinção decisiva entre fé e crença […] A fé do Evangelho, que move montanhas e que tem o seu equivalente no pensamento germânico na vontade mágica dos seus filósofos é, para o nosso pensador, traduzindo São Paulo, a garantia estável de que pode esperar-se a possibilidade de volver o íntimo e seguro olhar para tudo quanto é secreto.
Aristóteles foi, durante vinte anos […] ouvinte de Platão. Só quando este morreu, fundou escola própria, o Liceu, talvez movido por profundas incompatibilidades com os condiscípulos. De resto é o que necessariamente acontece sempre. Todo o ensino vivente, e não o ensino de uma tradição morta, vai criar nos discípulos do mestre que o transmite formas singulares e distintas de convívio com a verdade, por tal modo que, ao dar-se o desaparecimento terrestre do pólo visível desse ensino surgem divergências entre eles e até oposições onde por vezes se perderá a relação com a unidade invisível que parecia garantida pela presença espiritual do mestre, na recordação ou por processos mais elevados. Foi este, entre nós, o caso da escola de Leonardo Coimbra. Homens como José Marinho, Álvaro Ribeiro, Sant'Ana Dionísio, Delfim Santos, Agostinho da Silva, para só citar os cinco mais distintos, criaram obra própria e singular, onde está mais ou menos presente o espírito de Leonardo, mas nem sempre se têm entendido no plano da acção menos inspirada.
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