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quarta-feira, 7 de março de 2012

COMENTÁRIO A UM COMENTÁRIO...





A PROPÓSITO DE UM AFORISMO MEU SOBRE PEDRO SINDE E DE UMCOMENTÁRIO *

Eduardo Aroso

«Caro Eduardo: se me permite uma crítica, não me parece muito feliz o aforismo relativo ao Pedro Sinde, nem pelo aspecto do oculto nem pelo aspecto da serpente. Há nos escritos dele uma luminosidade que desoculta e uma visão certeira de um falcão que em nada lembram um serpentear... (João Pedro Secca)».
Antes de mais, pedindo licença ao autor deste comentário para reproduzi-lo, gostaria de dizer que só pelo facto da extensão da minha resposta o trago aqui. Começo por lhe dizer que, a propósito dos meus aforismos, ao verter na escrita o que vai em mim, exponho voluntariamente a minha pequenez humana. Creio que quem ousa escrever aforismos pisa sempre o terreno da dificuldade, senão mesmo da impossibilidade de, em poucas palavras, expressar a essência de uma obra ou pensamento de um autor (não vem agora ao caso a última conversa que tive com António Telmo, ao telefone, que foi precisamente sobre os aforismos de um modo geral e das minhas incursões, em particular). Prossigamos, portanto.
Não é minha intenção qualquer ímpeto de lição, sabedoria e muito menos de mestria, presumida ou assumida. Aliás, já tenho afirmado que, almejando a minha inteira realização em Deus, não sou (nem espero ser) mestre de ninguém, e ao mesmo tempo, e de certo modo, acalento a possibilidade de ser mestre de mim mesmo. Tenho tido a ventura de gostar de aprender com pessoas humildes do Povo (como diria Agostinho da Silva, aprender com analfabetos!) e com outros (que é bom de ver quais são) cuja aproximação se faz naturalmente, isto é, pelo semelhante que atrai o semelhante, no conflito dos contrários.
Mas vamos ao aforismo em causa, relativo ao Pedro Sinde «O oculto serpenteia nele». No resumo dos resumos, repare que eu não explicitei minimamente QUAIS OS MOVIMENTOS DESSE OCULTO. Como certamente sabe, na palavra oculto (tive o cuidado de não escrever ocultismo, o que poderia dar outro sentido à frase) podemos entender – sem querer ser aqui intencionalmente dualista – o bem ou o mal, e é bom lembrar que a própria Bíblia, numa conhecida expressão de Cristo, nos convida a ser «sábios como as serpentes e inofensivos como as pombas». É claro que, no caso em apreço do aforismo sobre Pedro Sinde, só podemos entender o lado luminoso, e assim sendo, quando eu utilizo a forma verbal «serpenteia», digo em potência que em Pedro Sinde há movimento, e se é serpentino é movimento de totalidade. Quando a serpente se desloca não vai em linha recta; segue ora à direita, ora à esquerda (Pessoa, entre outros, lembrou-nos bem deste importante pormenor). Porém, na analogia com o pensamento, e ao contrário do ziguezaguear caótico de qualquer corrente materialista, é um movimento que apesar de horizontal (mecânico), no plano do espírito é como que em espiral. É, assim, susceptível simbolicamente de ser um caminho de totalidade, cujo cumprimento depende apenas do discípulo. É o caminho que pode representar – ora ciclicamente, no discípulo, ou num constante assumir o que se poderia chamar via alquímica de simultaneidade – a razão e o coração; o pensador e o místico; o masculino e o feminino. Em resumo, «serpenteia», no meu aforismo, sugere movimento de totalidade. No caso de Pedro Sinde, recorrendo à metáfora, faz dele como que o caule que a seiva percorre, intensa e promissora, na certeza de haver (ou ser) primavera. É claro que, na abundante dificuldade do aforismo não pode haver farto rigor.
Nos livros de Pedro Sinde O Canto dos Seres e Teoria Nova da Antiguidade, embora sendo obras muito diferentes tanto na temática como na abordagem, há neles, sem dúvida, e utilizando as palavras do João Pedro Secca, «luminosidade que desoculta». Contudo, na tal compleição contrastante dos referidos livros não pretendo dizer que correspondem aos extremos do ziguezague serpentino.
Tomando a parte final do seu comentário, não sei se o voo do pensamento do Pedro Sinde é de falcão, de pomba ou de águia. Nisto, vamos inevitavelmente até à esfinge, talvez mais enigmática que a própria vida serpentina, pois é bem maior a complexidade constitutiva dos seus elementos. Tomando algo da simbologia da esfinge, poderá o voo de Pedro Sinde ter, por exemplo, uma asa de pomba, a outra de falcão e os olhos de águia? O futuro o dirá. Se considerarmos esta (nem tanto paradoxal) hipótese, não estamos nem a negar a esfinge, nem a anular a afirmação de Pessoa «o nosso destino é sermos tudo», nem a negar o meu modesto aforismo. O mais oculto disto tudo - isto sim, bem mais oculto – é que, a existir essa condição, só poderá haver voo numa atmosfera que lhe corresponda.
1 de Março de 2012


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