Quando se mora há 62 anos na mesma cidade, e essa cidade é Lisboa, que tantas transformações tem sofrido (sofrer é o verbo exacto) ao longo destes anos, é uma fatalidade dar-se conta de agressões praticamente diárias. A loucura geral também deixa traços no tecido da cidade.
Moro num bairro exemplar, Campo de Ourique, hoje quase um oásis no meio de tanta degradação urbana. Não o trocaria por nenhum outro lugar de Lisboa. Mas também este bairro não está imune a problemas – aqui há de tudo, menos cinemas ou casas de espectáculos, espaços maiores para acontecimentos culturais.
O cinema Paris, na Rua Domingos Sequeira, continua em ruínas, uma mancha obscena nessa rua simpática. Quanto ao Europa, meu vizinho na Rua Almeida e Sousa, permanece encerrado, apenas habitado pelos pombos na fachada.
No entanto, acrescenta ainda o panfleto dos moradores desesperados e preocupados, no projecto aprovado para o local, o Município reservou por dois anos o rés-do-chão do novo edifício, com cerca de mil metros quadrados, para a instalação de um equipamento cultural, embora sem ter tomado ainda uma decisão definitiva «quanto à oportunidade e conveniências de tal reserva.»
Apesar de não ser o ideal, o movimento apresentou uma candidatura ao Orçamento Participativo de 2009 para a instalação de um «espaço cultural de base local» no piso reservado pela Câmara no novo edifício. A candidatura encontra-se em fase de votação até dia 15 deste mês. Quem estiver interessado em salvar este nicho cultural (é o que nos resta ...) pode consultar o site
Por mim, depois de cumprir o meu dever de voto (nestas coisas ainda voto), concluo, tristemente: Europa vai agora ser apenas um condomínio – um sinistro destino metafórico para este continente raptado de si mesmo, não pelo touro-Zeus mas pelo euro endeusado: a única união que realmente existe ou a que temos direito. Quanto à famosa cultura, vamos lá ver se ainda cabe num rés-do-chão, bem rasteirinha... Os crentes dirão: valha-nos São Vicente, padroeiro da cidade. Os outros, como eu, talvez sonhem com os corvos que guardavam as relíquias do santo e que agora bem podiam dar umas valentes bicadas nos vendilhões deste templo laico!
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