Cartas da Alma ao Espírito
Cartas de Noé para Nayma / Carlos Aurélio. Lisboa: Zéfiro, 2010
Pedro Sinde
Cartas de Noé para Nayma / Carlos Aurélio. Lisboa: Zéfiro, 2010
Pedro Sinde
Este novo livro do pintor, do escritor, do fotógrafo, do escultor Carlos Aurélio vem relembrar a importância de restabelecer o diálogo entre a alma e o espírito ou entre a filosofia e a religião.
Numa época em que os homens se envergonham de se dizerem crentes e, mais ainda, de se dizerem praticantes de uma religião; numa época em que muitos abandonaram o Catolicismo, muitas vezes por causa das complicações em que se tem metido a própria Igreja (levando ao afastamento de grandes almas); neste tempo, pois, o autor assume-se logo de início como católico. Uma afirmação destas só se faz com coragem e implica naturalmente um compromisso e uma responsabilidade. Os crentes que estejam conscientes disto colocam-se, certamente, nas mãos da misericórdia divina. Mas aqueles que se afastam, também.
Estas cartas são notáveis a vários títulos e gostaria aqui de destacar apenas aqueles que me parecem os mais importantes. Antes de tudo o mais trata-se de um livro que se lê com muito prazer: escrito em forma de cartas íntimas, logo somos chamados para o quotidiano de alguém que procura, nesse dia-a-dia, relacionar estes três aspectos: o corpo, a alma e o espírito, vertidos e vestidos respectivamente no fecundo diálogo entre a vida quotidiana (o corpo), a filosofia (a alma) e a religião (o espírito). Assim, como se antevê já, este diálogo não fica numa abstracção, antes procura encarnar na vida, quer dizer, orientá-la e iluminá-la, torná-la encarnada ou vermelha isto é, dar-lhe sentido, levá-la ao rubro.
A religião esconde no seu seio, providencialmente, as ressonâncias e as chaves de que quase todos necessitamos para despertar o intelecto passivo. Estas ressonâncias são os símbolos; estas chaves são a oração. A filosofia pode e deve iluminar a demanda simbólica e a oração, que se transformará, assim, gradualmente em filosofal e metafísica, tornando-se viva e vibrante, depurando a emoção e purificando, assim, o corpo ou o quotidiano.
Carlos Aurélio coloca-se sob a protecção de Santa Catarina de Alexandria, como vemos nas duas datas nucleares que abraçam o livro; Santa Catarina é a protectora ou a inspiradora dos filósofos e a sua vida exprime justamente a relação equilibrada entre a filosofia e a religião: não poderia, por isso, haver melhor protectora para um livro que procura, ele mesmo, recordar esta relação.
Outro aspecto importante que ressalta destas cartas, sobretudo nos dias que hoje vivemos, é o da sacralização do tempo. Escrito ao longo de um ano litúrgico e tendo cada carta como base uma reflexão vivenciada da Liturgia da Palavra na missa, cada carta toma essa leitura como ponto de partida livre, o que significa que cada carta dá origem a uma meditação que resulta numa espécie de pensamento em voz alta. É esta vivência, de semana para semana, deixando que a Palavra do Espírito semeie na Alma do Corpo a vida poética, que permite, em parte, a sacralização do tempo, quer dizer, uma espécie de iluminação dos dias da semana, tendencialmente profanos, pela palavra sagrada do Domingo, como se a religião inspirasse o mote que a filosofia glosa. A religião tem particularmente este poder de conferir um aspecto qualitativo ao tempo profanado pelo homem; digo ‘tempo profanado’, porque a natureza do tempo é ela mesma sagrada e qualitativa, é o homem profano que a faz decair, decaindo assim ele mesmo.
Este belo livro, que se pode ler carta a carta, de modo sistemático ou até ao “acaso”, pode acompanhar todos quantos andam na demanda do espírito, pois aqui, neste livro, encontrarão um companheiro.
Numa época em que os homens se envergonham de se dizerem crentes e, mais ainda, de se dizerem praticantes de uma religião; numa época em que muitos abandonaram o Catolicismo, muitas vezes por causa das complicações em que se tem metido a própria Igreja (levando ao afastamento de grandes almas); neste tempo, pois, o autor assume-se logo de início como católico. Uma afirmação destas só se faz com coragem e implica naturalmente um compromisso e uma responsabilidade. Os crentes que estejam conscientes disto colocam-se, certamente, nas mãos da misericórdia divina. Mas aqueles que se afastam, também.
Estas cartas são notáveis a vários títulos e gostaria aqui de destacar apenas aqueles que me parecem os mais importantes. Antes de tudo o mais trata-se de um livro que se lê com muito prazer: escrito em forma de cartas íntimas, logo somos chamados para o quotidiano de alguém que procura, nesse dia-a-dia, relacionar estes três aspectos: o corpo, a alma e o espírito, vertidos e vestidos respectivamente no fecundo diálogo entre a vida quotidiana (o corpo), a filosofia (a alma) e a religião (o espírito). Assim, como se antevê já, este diálogo não fica numa abstracção, antes procura encarnar na vida, quer dizer, orientá-la e iluminá-la, torná-la encarnada ou vermelha isto é, dar-lhe sentido, levá-la ao rubro.
A religião esconde no seu seio, providencialmente, as ressonâncias e as chaves de que quase todos necessitamos para despertar o intelecto passivo. Estas ressonâncias são os símbolos; estas chaves são a oração. A filosofia pode e deve iluminar a demanda simbólica e a oração, que se transformará, assim, gradualmente em filosofal e metafísica, tornando-se viva e vibrante, depurando a emoção e purificando, assim, o corpo ou o quotidiano.
Carlos Aurélio coloca-se sob a protecção de Santa Catarina de Alexandria, como vemos nas duas datas nucleares que abraçam o livro; Santa Catarina é a protectora ou a inspiradora dos filósofos e a sua vida exprime justamente a relação equilibrada entre a filosofia e a religião: não poderia, por isso, haver melhor protectora para um livro que procura, ele mesmo, recordar esta relação.
Outro aspecto importante que ressalta destas cartas, sobretudo nos dias que hoje vivemos, é o da sacralização do tempo. Escrito ao longo de um ano litúrgico e tendo cada carta como base uma reflexão vivenciada da Liturgia da Palavra na missa, cada carta toma essa leitura como ponto de partida livre, o que significa que cada carta dá origem a uma meditação que resulta numa espécie de pensamento em voz alta. É esta vivência, de semana para semana, deixando que a Palavra do Espírito semeie na Alma do Corpo a vida poética, que permite, em parte, a sacralização do tempo, quer dizer, uma espécie de iluminação dos dias da semana, tendencialmente profanos, pela palavra sagrada do Domingo, como se a religião inspirasse o mote que a filosofia glosa. A religião tem particularmente este poder de conferir um aspecto qualitativo ao tempo profanado pelo homem; digo ‘tempo profanado’, porque a natureza do tempo é ela mesma sagrada e qualitativa, é o homem profano que a faz decair, decaindo assim ele mesmo.
Este belo livro, que se pode ler carta a carta, de modo sistemático ou até ao “acaso”, pode acompanhar todos quantos andam na demanda do espírito, pois aqui, neste livro, encontrarão um companheiro.
Belíssimo e inaugural este livro de Carlos Aurélio, na senda da portuguesa filosofia.
ResponderEliminarMeditação sobre e ao longo do tempo litúrgico,
o autor é uma das vozes aurorais do pensamento português contemporâneo.
Avelino de Sousa